sexta-feira, 11 de julho de 2014

LIRA DOS QUINZE ANOS * Antonio Cabral Filho - RJ


Oh que alívio que eu tenho
daqueles colegas de infância
com seus mundos cor-de-rosa,
heróis de história em quadrinho,
coca-cola, chiclete, carmanguia,
lencinhos perfumados, documentos,
sem sombra de movimentos
que os anos não trazem mais.

Como eram frios os versos
profundamente românticos!
Mas contra os versos
profundamente românticos
a alma dos versos meus
é francamente livre
e cospe na cara do eu-lírico
que caça borboletas azuis.

Oh que alegria que eu trago
das minhas gazetas da infância,
daquelas tardes jongueiras
à sombra dos oitiseiros
entre o Largo da Carioca
e o Tabuleiro da Baiana
com tudo quanto é quitute,
cuscuz, cocada, quindins
e os chamegos da mulata.

Oh que saudades que eu tenho
da minha Avenida Central,
avenida dos meus sonhos
colhidos na Cinelândia
e comidos nos Arcos da Lapa
por alguma linda Brigite
com beijo gosto de menta
e seios de Marilyn Monroe.

Pobre do espírito pudico
que nunca esbarrou com Cupido!
Jamais se esbaldou
nas tabernas da Praça Mauá
degustando "Cuba-Libre"
com as nossas Bardots,
nem trocou beijos calientes
entre senha e contrassenha
com alguma companheira
aos cicios "pela revolução!"
nas esquinas da Rio Branco.

Livre filho suburbano
desfilava satisfeito
por meu boulevard sem Paris
da minha Avenida Central,
que só virou Rio Branco
para agradar ditos-cujos,
e ria com meus olhos leigos
da anarquia arquitetônica
daquele casario sem eiras,
que o Pereira "passo" extinguiu
com um só "bota-baixo".

Naqueles tempos ruidosos
de ardente adolescência,
papai montava a cavalo
e saia pra campear,
mamãe brandia o chicote
e o leite fervia
no fogão a lenha,
eu era pingente de trem
e oficie-boy da Light
e Che Guevara era bandeira
nas barricadas de Paris.

Ai que saudades que eu tenho
da Avenida Rio Branco
como um palco a céu aberto
p'rum coro de cem mil vozes
cantando Geraldo Vandré:
"Vem, vamos embora,
que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora
não espera acontecer."

Mas "saudade" que eu sinto,
"saudades" que me doem fundo mesmo,
são da Avenida Rio Branco
na passeata dos Cem Mil
no auge dos meus quinze anos,
daquela gente bronzeada
mostrando tanto valor
só pra mudar o Brasil,
dos "bailes" que eu dei nos "ome"
na Biblioteca Nacional
com o saco de bola de gude,
do Wladimir trepado no poste
gritando "Abaixo a Ditadura!"
alheio ao gás lacrimogêneo,
das balas com endereço certo
e o sangue correndo solto......
...................................................
São "saudades" que a palavra
lhes recusa a assinatura,
coisas muito duras para esquecer
como diz o Rei Roberto,
mas me fazem muito bem
que os anos não tragam mais.

Por isso eu sigo cantando
"Caminhando" com Vandré:
"Vem, vamos embora,
que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer!"